domingo, 29 de dezembro de 2013

O que é Avôhai?

Mandala (imagem retirada da internet)


Por Amanda Souza.

Quando pensei em criar um blog, me veio em mente um lugar em que eu poderia falar sobre minhas opiniões, minhas dúvidas, meus prazeres, minhas angústias e minhas poesias. Neste espaço eu seria "eu mesma". 

E como minha mente não cessa um segundo fiquei matutando dia e noite, noite e dia, em nomes, palavras, entidades e personagens que pudessem batizar esse trem. Mas só pensava na canção Avôhai de Zé Ramalho. Aliás essa canção lembra-me uma pessoa muito querida. Fabiana é uma ex-colega de trabalho e apaixonada por esta música. E eu a entendo perfeitamente. É uma música encantadora e transcendente.

Escutei essa música várias vezes, li e decorei a letra, e viajei no arranjo de cordas que faz a canção crescer ao longo do exercício da audição. E envolvida nesta experiência sonora, finalmente eu tive um insight: Eureka! Meu blog se chamará "O Indivisível Avôhai". E alguns me perguntaram: por que este nome?

Avôhai é uma das composições da música brasileira que mais provocaram curiosidade acerca de seu significado. Talvez seja a canção mais mistica de toda a história e quase sempre ignoramos a interpretação óbvia dada pelo Zé Ramalho.

Avôhai é a união de avô e pai. Zé perdeu o pai muito cedo e foi criado pelo avô Raimundo para ser médico. O profeta do sertão conta que a música foi soprada em seus ouvidos, após uma viagem lisérgica envolvendo cogumelos (a famosa "amanita"), extraterrestres e mensagens telepáticas. 

"O meu velho e indivisível avôhai!" é o trecho que mais me chama atenção. Resume e explica o termo criado por Zé Ramalho. Avôhai é avô e pai ao mesmo tempo. É único e indissociável. Isso também remete as ideias dos índios da cultura pueblo. Estes povos indígenas costumam comer cogumelos com ações supressoras sobre o ego. Para eles o homem é indivisível, enquanto a mulher é divisível. A mulher divide partes de si com o mundo, ou seja, seus filhos.

Mas isso também me lembra Carl Gustav Jung e sua teoria da personalidade. Jung descreve a individuação como um processo no qual a pessoa torna-se si mesma, INDIVISÍVEL e distinta das outras pessoas ou da coletividade. Torna-se única. É um estado de ampliação da consciência no qual o indivíduo identifica-se menos com as condutas e os valores do meio em que vive, embora mantenha relação com estes. É a constante interação entre o ego e o nosso Self (centro da personalidade e de todo potencial energético da psique). 

O Self relativiza e equilibra a tensão dos opostos (humano e divino, masculino e feminino, vida e morte, bem e mal etc). Para ficar mais claro, o próprio Jung era categórico ao apontar que a ênfase cristã só no lado do "bem" havia deixado o homem alienado de sua totalidade e por tanto dividido dentro de si. Essa tal parcialidade da consciência acaba sendo compensada pelo inconsciente, buscando assim um equilíbrio. Assim os conteúdos inconscientes reprimidos surgirão de repente na forma de sonhos, imagens espontâneas ou sintomas. Com isso o objetivo dessa compensação é ligar dois mundos psicológicos e essa ponte se faz através dos símbolos, que para serem eficazes, precisam ser compreendidos pelo consciente. 

Bom, mas não vou prolongar ainda mais essa conversa, pois não sou junguiana e tão pouco sou uma profunda conhecedora de sua teoria, além disso o próprio processo de individuação é muito complexo para explicar em poucas linhas. 

Meu intuito é explicar a minha relação com este novo blog. Neste espaço eu quero mostrar-me inteira, única, sem medo de ser feliz, pois isso é algo que dificilmente consigo fazer no meu trabalho, na minha casa ou com meus amigos na mesa de um boteco ou de uma cafeteria. Aqui eu quero exibir todos os meus lados, vértices e ângulos. Todos os lados da verdade, da mentira e das incertezas. Pois como diz em Avôhai o que é "meio sabido" é sempre "meio pior"


Avôhai - Zé Ramalho




A criação



REPRODUÇÃO


Por Amanda Souza

reza uma lenda afro-brasileira
que de um batuque surgiu
o mundo
o universo sacolejou
e a mão divina foi parar na cintura
e vendo que isso era bom
Deus inseriu a música e a dança
na alma humana

desde os tempos ancestrais
até os dias atuais
o tambor nos remete
as sensações mais viscerais
o que era divinal
tornou-se carnal
a teoria da caixa de fósforo
é praticada em todos os botequins
e nestas experiências
o ser humano revive 
a criação da vida e do universo
e foi assim que o samba nos pariu.



Samba da Criação do Mundo na tradição Nagô (Beija-Flor de Nilópolis)

domingo, 22 de dezembro de 2013

A soberba e o viralatismo brasileiro

REPRODUÇÃO DA INTERNET


Por Amanda Souza.

Na semana passada eu conversava com alguns colegas de trabalho e alguém comentou sobre um vídeo feito por um brasileiro que morava nos Estados Unidos. Neste vídeo o dito cujo aparece dirigindo e tecendo comentários negativos sobre o Brasil e exaltando as conquistas da sociedade americana. Dizia que o Brasil era um "país de merda, do funk, da Rede Globo, que brasileiro só pensa em futebol", meteu o pau no governo e outras coisas do senso comum que já estou cansada de escutar.

Na hora não comentei nada, apenas escutei, como faço na maioria das vezes. Não quis expor minha opinião, guardei só pra mim. Em casa procurei o vídeo mesmo sabendo que passaria mal de tanto nojo que sentiria. Queria vomitar depois de tanto chorume dito no vídeo e também nos comentários. Nem vou compartilhar o vídeo, pois é escroto demais. Não vale a pena.

Como fiquei com a minha opinião engasgada resolvi fazer um textículo sobre isso. Nós brasileiros somos extremistas. Ou somos os melhores ou somos os piores. É oito ou oitenta. Nunca existe o meio termo. Não existe o "quadragésimo nono", o "trigésimo quinto" ou "nonagésimo primeiro" lugar. 

Somos soberbos quando nos ufanamos de ter as melhores praias do mundo, o melhor futebol do mundo, as mulheres mais bonitas do mundo, a maior diversidade ou mesmo quando falamos que o carnaval brasileiro é o maior espetáculo da Terra. Isso mostra o momentâneo enamoramento do brasileiro com a própria existência. Por um instante temos orgulho de sermos quem somos, mesmo que seja exageradamente. Mas também temos muitos problemas e no auge da nossa megalomania o viralatismo rodrigueano entra em ação e devasta tudo. O tal slogan "Eu sou brasileiro e não desisto nunca" vai por terra. A sete palmos do chão. Num piscar de olhos nos transformamos no pior povo do mundo, temos a pior educação do mundo, a pior saúde do mundo, a pior cultura do mundo, enfim, temos a "pior qualquer coisa do mundo". Somos inferiores diante do resto do mundo. Nunca ganhamos um Oscar ou um Nobel. Não somos bons em nada.

Certa vez um rapaz de outro trampo comentou o seguinte: "brasileiro só pensa em futebol, povinho iludido, por isso esse país não vai pra frente". Não me contive e falei: Ah filhote, sinto muito, mas isso que você disse é uma falácia. O inglês, por exemplo, é apaixonadíssimo pelo esporte e ninguém fala isso dos ingleses. Os americanos amam esportes, até os mais idiotas, tudo vira show e ninguém acha isso ruim. Este mesmo colega me respondeu: "Mas eles podem, né". Confesso que fiquei tão decepcionada que nem consegui replicar e pensei: Hã? Como assim? A Inglaterra não tem problemas? Os EUA também não? São perfeitos? Não existem pessoas pobres vivendo na miséria, não existe desigualdade, não existe violência nas grandes cidades, não existe problemas com o sistema de saúde, não existe corrupção e tantas outras coisas? 

Se você que lê este texto pensa assim, mais uma vez, sinto muito, mas você é o iludido da história e ainda por cima sofre de complexo de vira-lata. 

Eu não nego que o Brasil tem problemas, seria burrice dizer isso. Temos muitas questões que devem ser resolvidas e todos nós sabemos disso. Não é a toa que em 2013 tanta gente foi pra rua querendo mudanças. Mas a causa dos nossos problemas não está no funk, na novela das nove, no BBB ou no futebol, mas sim na nossa postura atitudinal na promoção das mudanças em nossa sociedade. Afinal de contas países com povos considerados "cultos" também escutam música considerada "ruim", assistem BBBs da vida e adoram futebol. 

Quando o brasileiro incorpora o viralatismo ele está se entregando, jogando a tolha. É um discurso de desistência e quem desiste nada pode oferecer. É um derrotista. O viralatismo não propõe transformação, novidades, somente depreciação e estagnação. Todo mundo fala: "a educação precisa de investimentos pesados". Ok, concordo plenamente, então vamos cobrar, vamos propor soluções. Só falar e reclamar não adianta. O que percebo é que essas pessoas não querem de fato a mudança. Temem sair da sua zona de conforto. Antes bradavam que o brasileiro era conformista, que não lutava por seus direitos (outra ideia falsa) e quando sai para fazer isso, são vândalos, baderneiros, gente que não tem o que fazer e que atrapalha o trânsito. E tudo isso é dito com a bunda esparramada no sofá e com o controle remoto na mão. 

Pra finalizar, com tudo isso que foi dito, quero apenas dizer que não podemos encarar nossa realidade com o olhar da soberba ou da inferioridade. Devemos ser mais sinceros com o que somos, ou seja, aceitar que o Brasil não é o melhor e nem o pior país do mundo, mas sim apenas mais um país em construção.

domingo, 8 de dezembro de 2013

O que é que deu? Funk na cabeça!

REPRODUÇÃO DA INTERNET






Por Amanda Souza.


Um dos assuntos que mais gosto de ler e de conversar é sobre música. Amo tanto esse assunto que já tentei aprender a tocar violão. Meu objetivo era tocar samba e rock. Entretanto, por motivos ocultos, parei as aulas, mas pretendo voltar no ano que vem. De toda forma, dentro do universo musical, o que me agrada mais é escutar música brasileira. Acho um verdadeiro absurdo o desconhecimento de muitos brasileiros sobre a música do nosso país. E quero morrer quando escuto tolices de que "o Brasil não tem música que presta", que "só é boa a música estrangeira" e outras imbecilidades do tipo. Isso é de uma limitação inaceitável. 


A música brasileira é uma das mais ricas do mundo ao lado das tradições musicais norte-americana e cubana. E todos esses países tem em comum o fato de terem influência de ritmos africanos. Basta escutar canções de países com pouca influência africana para ver a diferença. 


Obviamente o gosto musical é algo subjetivo e também condicionado socialmente. Dependendo do grupo social em que a pessoa esteja, ela aprenderá a gostar dos gêneros musicais que são apreciados por aquele grupo. Mas é importante ressaltar que ninguém é obrigado a gostar de tudo. Mesmo amando música popular brasileira também tenho meus desafetos musicais. 


Hoje o funk e o sertanejo são os gêneros musicais dos jovens brasileiros. Tenho amigos que apreciam ambos os gêneros ou apenas um deles. No entanto a demonização do funk carioca (existe o funk americano) é muito maior e merece uma atenção. 


Há dois anos li um artigo na Revista Caros Amigos sobre o funk, contando sua história, seus diversos tipos e sua aceitação como manifestação cultural. O autor do artigo fez um paralelo com a história do samba que, por sua vez, somente foi reconhecido como cultura durante o governo de Getúlio Vargas. Para se ter uma ideia, o samba e o tango argentino eram consideradas músicas malditas, de gentalha e com letras sexuais e ritmo visto como lascivo. Mas a ascensão destes gêneros se deu com dois nomes importantes: Noel Rosa e Carlos Gardel. Ambos eram jovens brancos que trouxeram uma roupagem nova a gêneros de origem africana e de gente pobre.


Analisando bem, é mais ou menos o que acontece hoje com o funk. O ponto mais interessante é a construção do estereótipo negativo do funkeiro na mídia. O gênero surgiu nos morros e nas favelas cariocas com letras que falavam sobre a realidade das mesmas: repressão, desemprego, violência e injustiça. Obviamente que a mídia e a industria fonográfica não estão interessadas nestes problemas, tanto que os funkeiros que tocam nas rádios só cantam músicas com letras estúpidas. Além do mais, as reportagens de telejornais sempre associam drogas, violência e promiscuidade com os bailes funk. E sendo assim chegamos no estereótipo do funkeiro criminoso e promíscuo. Mas é bom entender que muitos bailes funk frequentemente tem ligações com traficantes e por motivos óbvios, eles são os donos do dinheiro e por consequência acabam sendo os grandes patrocinadores.


Outro ponto que merece uma discussão é sobre o papel da mulher. Em alguns momentos ela sai do papel de mero objeto de desejo ou de pedaço de carne descartável para o papel de objeto desejante, ou seja, a mulher poderosa que sabe o que quer e do jeito que ela quer e que fala abertamente sobre sexo.


Quem tem facebook já deve ter visto muitas imagens de páginas de rock falando muito mal do funk e sempre de maneira bastante moralista. Acho uma pena ver que o rock que começou como um estilo tão revolucionário e libertador tenha virado um gênero musical de reacionários. Mas confesso que acho graça dessa hipocrisia roqueira já que letras vulgares sempre estiveram presentes em músicas do rock. Será que ninguém, por exemplo, nunca escutou Raimundos ou alguém acha que o lema "sexo, drogas e rock 'n' roll" surgiu do nada? Ah, me poupem.


Eu não gosto de funk e até entendo quem deteste o gênero (mas sem moralismos babacas, é claro). Acho o som esteticamente feio. Detesto a batida e a voz dos cantores do funk. O funk, pra mim, é completamente asqueroso. Muita gente diz que o funk é a "música legítima do gueto, do negro e do pobre" e por causa disso não se pode falar mal do gênero. Sinceramente acho isso uma grande mentira. Vejo mais como uma música pra diversão e com grande apelo entre os jovens. Apelo que o rap, a meu ver, não conseguiu. Além disso existe uma grande adesão da playboyzada que fica ridícula querendo pagar de "V1D4 L0K4 da perifa". Pra mim, não tem nada de periferia. Na verdade, a periferia é só mais um produto de consumo e de ostentação e que ainda ajuda a fortalecer alguns estereótipos sobre a sexualidade, sobre o jeito de falar, etc. É som de Audi rebaixado, de classe média emergente cafona. 


Mas como dito anteriormente, da mesmo forma como aconteceu com o samba e com o tango argentino, acredito na possibilidade do funk ganhar nas próximas décadas uma aparência mais leve e uma sonoridade sofisticada conquistando um lugar de importância na música brasileira. Mas por enquanto isso ainda está muuuuuuuito longe de acontecer.